Comecemos pela génese. Palavra que não existe mas que, para mim, carrega o significado da minha história, até aqui.
Nasci no continente, naquela que auto intitulo como a cidade mais bonita do país. Onde o sotaque é carregado, o inverno é rigoroso e o trânsito é imenso. Com apenas 21 anos tive que a abandonar. Pois não havia trabalho e era preciso trabalhar. Os Açores surgiram como única
opção em território português e lancei-me sem saber como, sem pára-quedas, sem segurança, e com muito, muito medo. O primeiro mês foi agoniante. Ainda hoje me dói o peito se voltar àquele 25 de Abril de 2011. Não foi o dia mais difícil que tive, mas foi o que não me deixa esquecer porque estou aqui.
Não tenho vidas difíceis para contar, maus tratos ou abusos. Percurso regular, com uma família enorme em número e em amor. Filha única de uns pais únicos. Muitos foram os anos em que me questionei porque não tinham tido mais filhos, mesmo quando lhes pedia um irmão. E sabem porquê? Porque achavam que não conseguiam amar mais nenhum desta forma.
Se eu estou aqui, devo àqueles dois guerreiros. Que também deixaram a sua terra e a sua vida, 50 anos depois dela estar criada. Garanto-vos que não é para qualquer um! Mas foi para eles, por amor! Durante grande parte da minha existência, questionei a genética e o fator aleatório. Porque escrevia eu com a mão esquerda? Porque entortava o caderno e não pegava no lápis como os outros meninos? Sem qualquer falsa modéstia muitos artistas são canhotos e muitos canhotos são artistas. E não me contrariem pois sempre ouvi dizer que não se contrariam os malucos. Ao longo do meu crescimento, procurei, sem saber, o pedaço de arte que tinha em mim. Comecei pela pintura – falhanço épico! Depois passei para a escrita, e escrevi muito, durante muitos anos e sei que ainda vou escrever um livro. Mas depois a vida engoliu-me. Começaram a nascer vidas em mim e fui deixando de escrever. Porque apenas escrevia em dor e já não havia dor em mim. Havia sim dias muito felizes. E eu não conseguia escrever feliz. Escrevi uma carta para cada um dos meus filhos, para que quando duvidassem se tinham sido amados bastaria ler as duas primeiras linhas.
O meu sonho maior era: ter filhos! E sempre convicta que no dia em que tivesse um bebé poderia morrer, pois o sonho estava cumprido! Mas no dia em que tive a minha bebé nos braços, tive uma certeza. De que agora é que não podia mesmo morrer. Tinha que viver nem que fosse só para olhar para ela. E a minha vida tornou-se essa, trabalhar para chegar a casa e enrolar-me naqueles braços pequeninos.
Mas a vida tinha planos. Vi-me envolvia numa paixão que nunca tinha sonhado. Nunca tinha contactado com alguém da área, ou lido sobre o assunto. Mas era por ali que iria, sem saber muito bem como. Comecei o projeto da minha vida. O segundo mais bonito. (O primeiro será sempre a minha descendência).
Sem perceber muito bem o caminho, envolvi-me, deixei que o meu coração me guiasse e descobri finalmente porque escrevia com a mão esquerda! A minha arte era trabalhar com crianças, não na sua doença (enquanto enfermeira nunca consegui trabalhar com este público e hoje percebo porquê!!) mas sim nos seus momentos felizes! Fotografar é uma arte. E hoje sinto-me segura a senti-la como minha.
Crio memórias com eles, eternizo o seu crescimento e vejo-os crescer do lado de lá da câmara. E dá-me um gozo imenso quando eles se lembram de quem sou, quando os pais lhes explicam que os conheço desde a barriga da mãe e gosto tanto!
Hoje, num dia menos fácil, porque todos temos dias difíceis, voltei a escrever. E decidi escrever porque estou aqui. Porque desejei, porque lutei muito, mas acima de tudo porque os Açorianos me permitiram. Foram vocês, que suportaram e carregaram um sonho que não sabia ser para mim. Foram vocês que me pediram mais, que me fizeram ir aprender como se fazia. Não queria ser a melhor, queria só fazer isto bem e colocar o nome dos Açores e de S Miguel em particular, no mapa.
Ainda não chegamos aí, mas prometo-vos que vamos chegar. Não sei desistir. Não sei se vou conseguir. Mas sei que vou morrer a tentar.
Continentalariana
- Teresa Sá Costa